sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Não escarre nessa boca que te beija

O beijo na boca é um gesto de afeição, de cumplicidade e também de troca. Ao tocar sua boca em outra boca, comunha-se a ancestralidade perdida do corpo único que foi separado em dois. É desse ato, pelo menos no Ocidente, que recuperamos a ideia de reatar uma união que foi desfeita pelo ambição e pela soberba em tempos imemoriáveis.

Mas é a ambição, a soberba e a pequinez humana que ouvimos nesse vídeo. Já nas imagens, vemos dois presos forçados a se beijar na boca. Eles são mentalmente estuprados por supostos policiais em uma delegacia, no Recife, em julho no ano passado, mas só agora as imagens foram divulgadas pelo YouTube.

E como seres violentados, essas vítimas são humilhadas, são chamadas de “macacos”, são despidas de valores humanos. Esse vídeo é um dos mais tristes que já assisti. Não pelo que se vê, mas exatamente pelo que está em off. As imagens que não vemos são as mais reveladoras.

Primeiro pela descrença, possíveis policiais acreditam que um beijo entre dois homens é algo humilhante e menor, retirando toda a ideia de sublime e de afeição que o gesto (seja feito por héteros ou homos) indica. Depois, por aqueles que deveriam comandar a ordem pública apresentarem uma desordem privada que envergonha e perturba bem mais que o beijo-estupro. Sente-se o desejo latente e a projeção deles no ato que obrigam os dois presos encenarem. E ao empurrar a libido para o fundo de suas almas, só sobra mesmo a violência dos atos e palavras.

Como diria o ensaísta Roland Barthes, um homem atento ao amor, ao beijo e à barbárie: “O fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer”. No caso, a fazer.

Escrito por Vitor Angelo às 17h50

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