Três mulheres almoçam juntas. “Era uma promoção, saí de lá com duas bolsas. Estava barato, R$ 39 cada uma!”, diz a primeira. “Ai, quando eu saio, não consigo comprar nada. Se bem que às vezes eu compro o que eu não preciso. Que nem esse anel”, emenda a segunda.
“Mas você precisa desse anel, para ficar bonita! Eu já sou diferente, outro dia entrei em um shopping e gastei R$ 1,5 mil em 2 horas!” A conversa aconteceu em um restaurante na Barra Funda, em São Paulo, mas, em meio ao consumismo desenfreado do Natal, poderia ter acontecido em qualquer parte do País.
De acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, o nível de consumo em dezembro foi 18,3% maior em 2010 em relação a 2009.
A estimativa dos lojistas é de que este final de ano tenha sido um dos melhores da história em vendas. Só no final de semana anterior ao Natal, 25 milhões fizeram compras, segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping. As com cartões movimentaram R$ 63 bilhões no fim do ano, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços.
A alta é reflexo do aquecimento da economia e do crescimento do País. O aumento do número de vagas de emprego e a ascensão social de milhares de pessoas criaram uma nova faixa de mercado, ávida por consumir. A expansão
do crédito foi o último passo para as vendas dispararem.
Além do crescimento econômico, porém, outro lado tem preocupado economistas e autoridades: a possibilidade de aumento da inadimplência e de endividamento excessivo da população. Muita gente que tem acesso a crédito ainda não está acostumado a gastar e é fácil para quem está começando perder o controle das finanças.
Foi o que aconteceu com Stephanie Serrano, de 20 anos, em 2008. “Terminei um namoro há 2 anos, tinha só 18 anos. Estava desempregada e sem saber direito o que fazer. Fui no banco e tinha um anúncio de crédito de R$ 2 mil. Saquei o valor, fui no shopping e gastei tudo”, diz a moça, que se arrepende e hoje estima dever praticamente dez vezes o valor por conta dos juros. “Ficar com nome sujo é horrível”, diz a jovem, arrependida.
Mesmo quem não cede ao impulso de comprar mais e mais pode se atrapalhar. Carina Vidal, de 22 anos, viu-se endividada quando usou o limite para comprar créditos no celular e falar com o namorado, que estava hospitalizado. “Saquei aos poucos, de R$ 50 em R$ 50, e quando vi já estava devendo R$ 200. Em pouco tempo esse valor já tinha passado de R$ 2 mil”, diz. E não são apenas as compras. O ano sempre começa com despesas como IPVA, IPTU, matrícula dos filhos e material escolar.
Para orientar e ajudar estes novos consumidores a Fundação Procon-SP tem promovido palestras de educação financeira com orientações de como administrar melhor o orçamento familiar “Hoje o acesso ao crédito é muito fácil. Antigamente era preciso conhecer a gerente, ter conta há algum tempo no banco para conseguir cartão e cheque especial. Hoje não.
As pessoas oferecem cartões de crédito no centro de São Paulo como se vendessem mandioca na rua. As empresas têm que ter responsabilidade. Não adianta encher o consumidor de crédito e levá-lo a inadimplência”, diz o técnico do Procon Diogenes Donizete. “A publicidade faz com que desejos sejam transformados em necessidades.
Muitos compram o que não precisam gastando o que não tem para fazer inveja. É preciso pensar: você realmente precisa do que está comprando? Será que não vale mais poupar por uns 6 meses e depois comprar à vista com desconto? Isso vale até para as pequenas despesas. Um pequeno vazamento afunda um grande navio”, ressalta.
É claro que conciliar contas com desejos e necessidades nem sempre é fácil. O casal Denis Rodrigues e Gisele Moura, por exemplo, faz os cálculos no limite. “Temos que pagar o aluguel, colchão e cortina, mas não vai dar. As dívidas são uma bola de neve, elas crescem”, diz Gisele. “A gente quer um carro e só dá com financiamento. É ruim entrar em dívidas, mas só assim dá. Ter ou não ter, é essa a questão”, emenda o marido.
Donizete discorda. “Se endividar não é o único jeito. Se a pessoa não conseguir pagar, vão tomar o carro dela. É preciso saber as implicações da inadimplência. Uma coisa é ficar devendo um liquidificador, outra é dever um carro, que o juiz manda buscar“, explica.
Por Daniel Santini
daniel.santini@folhauniversal.com.br
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