Dona Dindinha, com quase 100 anos, moradora na juventude do antigo Terceiro, hoje Dom Aquino, afirma já ter visto o minhocão do pari no rio Cuiabá .
Cuiabá não tinha passado ainda pela principal fase de desenvolvimento urbano. Era uma cidade pequena, com ruas de terra, vento fresco e muitos córregos límpidos que cortavam a cidade. A violência ainda estava longe de aparecer por aqui. A única preocupação dos moradores da Capital que iam e vinham durante a noite pelas ruas e caminhos abertos em matagais eram os personagens dos contos urbanos. O lobisomem, o minhocão do pari, o neguinho d’água, a bruxa e as almas penadas eram os únicos motivos para uma pessoa desistir de passear à noite. Quem conta essas histórias é dona Antônia Paes de Queiroz, mais conhecida como Vovó Dindinha, registrada há 92 anos em Cuiabá. Apesar do registro datado de 1915, Dindinha disse lembrar muito bem quando o tabelião foi até a sua casa para que sua mãe fizesse a certidão de nascimento dos filhos. Então, pelas contas de Vovó Dindinha, ela deveria ter aproximadamente 100 anos. Dona Dindinha nasceu e viveu até se casar no bairro Terceiro, região onde hoje está o Parque de Exposições Agropecuárias. Ela conta que, quando era criança, Cuiabá estava longe de ser o que ela vê hoje. Para ela, tudo era melhor. O clima era mais fresco, as pessoas eram mais responsáveis e as famílias, mais unidas. A única coisa ruim, lembra Dona Dindinha, eram os personagens que a população via e ouvia falar todos os dias. “Eu morava na beira do rio Cuiabá, que era sempre cheio, nada parecido com o que é hoje. Tão cheio que as embarcações chegavam até aqui. Por isso, o minhocão conseguia chegar tão perto. Eu não estou falando sem saber não. Eu vi o minhocão do pari uma vez. Ele passava e dava para ver o lombo escuro e a água se movimentando por cima do rastro dele”, conta Dindinha. “Certa vez”, comenta Dindinha, “um primo meu escapou por um triz de ser morto por um lobisomem”. Dindinha contou que a mãe sempre deixava o portão um pouco aberto e essa foi a sorte do primo. Quando ele saiu de casa, foi atacado pelo bicho. Depois de lutar, conseguiu escapar e voltou para casa morrendo de medo. Aí, olharam pela janela e lá estava o bicho, com um monte de cachorro em volta, abanando-os com o rabo. “Antes, mesmo sem energia elétrica nos postes, era muito fácil ver tudo na rua, por causa da lua. A lua era muito mais clara, e tínhamos o hábito de ficar com portas e janelas abertas. Por isso, vimos o bicho. Ele parecia maior que os outros cachorros e abanava eles”, relata. Dona Dindinha lembra de inúmeras histórias e “causos” sobre os personagem de lendas urbanas de Cuiabá. Ela chegou inclusive a conhecer o ex-presidente do país, Eurico Gaspar Dutra, quando “meninote”, brincando de soltar pipa nas proximidades da Igreja do Rosário e São Benedito. Também conheceu dona Doninha do Tanque, personagem conhecido na Baixada Cuiabana (presa por causa dos dons que tinha de prever o futuro na região de Poconé). Quando ainda morava no Terceiro, pôde ver as touradas de Cuiabá, no Campo D’Ourique (onde hoje é a praça Moreira Cabral, em frente à sede da câmara municipal). Dindinha conta que toda a população assistia às touradas – os ricos de cima, e os pobres, no chão mesmo -, porque era a única festividade de Cuiabá, junto com as festas religiosas, como a do Senhor Divino. As famílias, conforme Dindinha, eram muito unidas e muito religiosas. Ao pensar no que poderia ter trazido tantas mudanças, Dindinha chega à conclusão que antes o respeito era muito mais difundido dentro de casa. As crianças tinham que obedecer aos pais sem pestanejar, o que hoje não ocorre. Dindinha diz que se entristece quando passeia por Cuiabá e vê como tudo está mudado. Os córregos sujos, os prédios altos tomando conta da cidade, as pessoas sem se conhecer. Antes, todos se conheciam e eram amistosos. Quando adolescente, namorar em Cuiabá era assunto muito sério. Somente duas vezes na semana, de dia, e com a família perto. Hoje, nada é mais assim, lembra a cuiabana. “De bom, só o conforto que o passar do tempo trouxe. Mas sinto muito ao ver que hábitos se perderam. Por causa da violência, é difícil ver as pessoas sentando na frente de casa para conversar, como antes. Eu mesmo (Dindinha mora no bairro Carumbé) não posso sair de dentro de casa, não posso sentar nem mesmo na porta, que logo passam as gangues e roubam tudo”, revela dona Dindinha. Nesses anos todos de vivência, dona Dindinha mudou do Terceiro para onde hoje é a avenida Coronel Escolástico, bem em frente à Igreja São Judas Tadeu. Quando ficou viúva, pouco mais de 20 anos depois, foi para Corumbá, onde criou os afilhados, que a consideram como mãe – Dindinha não teve filhos biológicos, mas conta que teve um monte de criação. A volta para Cuiabá se deu porque não agüentava de saudades daqui. Hoje, o calor a chateia. O destino dos rios Cuiabá e Coxipó também. Mas apesar de tudo, uma coisa para Dindinha é certa: nunca mais sai de Cuiabá. “Foi aqui que nasci, me criei e quero ficar”, destaca.
Geraldo Tavares
Diariodecuiabá
Cuiabá não tinha passado ainda pela principal fase de desenvolvimento urbano. Era uma cidade pequena, com ruas de terra, vento fresco e muitos córregos límpidos que cortavam a cidade. A violência ainda estava longe de aparecer por aqui. A única preocupação dos moradores da Capital que iam e vinham durante a noite pelas ruas e caminhos abertos em matagais eram os personagens dos contos urbanos. O lobisomem, o minhocão do pari, o neguinho d’água, a bruxa e as almas penadas eram os únicos motivos para uma pessoa desistir de passear à noite. Quem conta essas histórias é dona Antônia Paes de Queiroz, mais conhecida como Vovó Dindinha, registrada há 92 anos em Cuiabá. Apesar do registro datado de 1915, Dindinha disse lembrar muito bem quando o tabelião foi até a sua casa para que sua mãe fizesse a certidão de nascimento dos filhos. Então, pelas contas de Vovó Dindinha, ela deveria ter aproximadamente 100 anos. Dona Dindinha nasceu e viveu até se casar no bairro Terceiro, região onde hoje está o Parque de Exposições Agropecuárias. Ela conta que, quando era criança, Cuiabá estava longe de ser o que ela vê hoje. Para ela, tudo era melhor. O clima era mais fresco, as pessoas eram mais responsáveis e as famílias, mais unidas. A única coisa ruim, lembra Dona Dindinha, eram os personagens que a população via e ouvia falar todos os dias. “Eu morava na beira do rio Cuiabá, que era sempre cheio, nada parecido com o que é hoje. Tão cheio que as embarcações chegavam até aqui. Por isso, o minhocão conseguia chegar tão perto. Eu não estou falando sem saber não. Eu vi o minhocão do pari uma vez. Ele passava e dava para ver o lombo escuro e a água se movimentando por cima do rastro dele”, conta Dindinha. “Certa vez”, comenta Dindinha, “um primo meu escapou por um triz de ser morto por um lobisomem”. Dindinha contou que a mãe sempre deixava o portão um pouco aberto e essa foi a sorte do primo. Quando ele saiu de casa, foi atacado pelo bicho. Depois de lutar, conseguiu escapar e voltou para casa morrendo de medo. Aí, olharam pela janela e lá estava o bicho, com um monte de cachorro em volta, abanando-os com o rabo. “Antes, mesmo sem energia elétrica nos postes, era muito fácil ver tudo na rua, por causa da lua. A lua era muito mais clara, e tínhamos o hábito de ficar com portas e janelas abertas. Por isso, vimos o bicho. Ele parecia maior que os outros cachorros e abanava eles”, relata. Dona Dindinha lembra de inúmeras histórias e “causos” sobre os personagem de lendas urbanas de Cuiabá. Ela chegou inclusive a conhecer o ex-presidente do país, Eurico Gaspar Dutra, quando “meninote”, brincando de soltar pipa nas proximidades da Igreja do Rosário e São Benedito. Também conheceu dona Doninha do Tanque, personagem conhecido na Baixada Cuiabana (presa por causa dos dons que tinha de prever o futuro na região de Poconé). Quando ainda morava no Terceiro, pôde ver as touradas de Cuiabá, no Campo D’Ourique (onde hoje é a praça Moreira Cabral, em frente à sede da câmara municipal). Dindinha conta que toda a população assistia às touradas – os ricos de cima, e os pobres, no chão mesmo -, porque era a única festividade de Cuiabá, junto com as festas religiosas, como a do Senhor Divino. As famílias, conforme Dindinha, eram muito unidas e muito religiosas. Ao pensar no que poderia ter trazido tantas mudanças, Dindinha chega à conclusão que antes o respeito era muito mais difundido dentro de casa. As crianças tinham que obedecer aos pais sem pestanejar, o que hoje não ocorre. Dindinha diz que se entristece quando passeia por Cuiabá e vê como tudo está mudado. Os córregos sujos, os prédios altos tomando conta da cidade, as pessoas sem se conhecer. Antes, todos se conheciam e eram amistosos. Quando adolescente, namorar em Cuiabá era assunto muito sério. Somente duas vezes na semana, de dia, e com a família perto. Hoje, nada é mais assim, lembra a cuiabana. “De bom, só o conforto que o passar do tempo trouxe. Mas sinto muito ao ver que hábitos se perderam. Por causa da violência, é difícil ver as pessoas sentando na frente de casa para conversar, como antes. Eu mesmo (Dindinha mora no bairro Carumbé) não posso sair de dentro de casa, não posso sentar nem mesmo na porta, que logo passam as gangues e roubam tudo”, revela dona Dindinha. Nesses anos todos de vivência, dona Dindinha mudou do Terceiro para onde hoje é a avenida Coronel Escolástico, bem em frente à Igreja São Judas Tadeu. Quando ficou viúva, pouco mais de 20 anos depois, foi para Corumbá, onde criou os afilhados, que a consideram como mãe – Dindinha não teve filhos biológicos, mas conta que teve um monte de criação. A volta para Cuiabá se deu porque não agüentava de saudades daqui. Hoje, o calor a chateia. O destino dos rios Cuiabá e Coxipó também. Mas apesar de tudo, uma coisa para Dindinha é certa: nunca mais sai de Cuiabá. “Foi aqui que nasci, me criei e quero ficar”, destaca.
Geraldo Tavares
Diariodecuiabá
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