quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ciúme, o inferno do pseudo-amor possessivo

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Capítulo primeiro

Todo(a) ciumento(a) afasta, invalida e projeta sobre o outro suas próprias negatividades. Não demora, o outro começa a pensar em se livrar, em se separar e foi o ciumento que, com suas ações, acabou antecipando ou precipitando isto.
O(A) ciumento(a) não é consciente nem parece entender que exatamente aquilo que ele(a) afirma ser o seu maior medo (o do abandono, o de ser trocado por outra pessoa) constitui exatamente o resultado natural de suas próprias ações sobre o outro.

O ciumento típico costuma atribuir ao companheiro o seu persistente sentimento de perda, sua permanente ameaça de rejeição; no entanto, o ciumento é muito mais um rejeitador do que um rejeitado. Ele se antecipa, atuando como rejeitado antes que a possível rejeição aconteça, de modo que, se ela acontecer, ele não seja pego de surpresa, pois está preparado para a rejeição (pelo seu pensamento e sentimento negativos, pelo seu senso de ameaça que nunca descansa) já que, todo o tempo, ele espera por ela, imagina a rejeição... Não é à toa que o ciumento acredita que faz todo o esforço para evitá-la.
O ciumento tem que perceber e admitir que depois que ele entra em um transe de ciúme, ele não é mais dono de si, não controla sua imaginação nem suas emoções e não é mais capaz de nada parecido com uma ação racional. O ciumento encontra-se possuído por forças inconscientes durante a crise. Isso precisa ser admitido antes que qualquer outra possibilidade de entendimento (de si mesmo) possa ocorrer. Este é o ponto de partida e o principal conhecimento de que um ciumento necessita: o do esclarecimento do teor e do sentido de suas crises. Geralmente, a ajuda especializada de um psicólogo é o único caminho de saída.
Vamos refletir juntos e tentar ajudar: paradoxalmente, o(a) ciumento(a), durante seus transes, empurra o(a) companheiro(a) para longe de si, afasta, desconfia, invalida, desconsidera os argumentos do companheiro(a) quando alguém lhe diz que está louco ou que vive imaginando coisas...
Isto acontece porque, para o ciumento, as "fantasias negativas de rejeição" são realidades aguardando a validação dos fatos vividos. Ou seja, ele já vive rejeitado, aguardando que os fatos vividos comprovem esta realidade, na qual ele vive. Ele se sente como um investigador policial em busca de fatos comprobatórios, mas lhe escapa a parte emocional e inconsciente, que demonstra de modo claro e límpido o evidente preconceito nutrido em seu íntimo.
Possuído pelo viés negativo inconsciente, ele transforma em culpado aquele que ele investiga, antes mesmo de qualquer evidência. Ele sofre e faz com que seu companheiro sofra, mas não consegue ver em seus atos, pensamentos, sentimentos e expectativas negativas, a razão ou o motivo de seu sofrimento.
Esta inconsciência de sua realidade psicológica já levou pro abismo muitos ciumentos que, em seus relacionamentos, de outro modo, poderiam produzir resultados melhores, fazendo frutificar estas relações ao invés de torná-las estéreis e negativas.
Um ciumento típico trabalha para o próprio fracasso muito mais do que ele ou ela é capaz de admitir, mas isto nem de longe modifica os fatos vividos. Para sua própria infelicidade, o aspecto destrutivo, existente no íntimo do ciumento, é tornado inconsciente e obscurecido pelo fato de que, para este, o problema encontra-se NO OUTRO, que não é digno de confiança:
Ele(a) diz: "Ninguém é confiável, só os ingênuos se arriscam a confiar em alguém!"
Em verdade, um ciumento típico não conhece algo que mereça o nome de "confiança", sentimento este que constitui uma espécie de aposta do Ser, que a entrega ao outro, sem qualquer possibilidade de confirmação ou certeza. Costumo dizer que se alguém entrega "confiança", o outro pode ser neutro, atrapalhar ou ajudar, mas não depende do outro, a energia que sustenta uma "confiança," que é positiva, vibrante e se assemelha com sentir esperança, fé, imaginando o melhor e desejando o melhor.

Vamos ensaiar uma descrição resumida sobre o processo que se passa no íntimo do ciumento dominado pelo seu medo de perder e desgastando-se na tentativa de controlar a vida do outro:
- O medo de perder o companheiro o leva ao controle e à vigilância e às medidas de defesa contra a liberdade do outro;
- A liberdade do outro se torna a maior ameaça ao sucesso no controle, então, a liberdade do outro tem que ser suprimida;
- Depois de suprimida a liberdade do outro, sobra a conclusão de que somente a submissão dele garantirá o controle;
- A submissão do outro nunca é completa; então, fica a desconfiança de que sempre que puder ele fugirá ao controle e à vigilância;
- Daí, realinham-se os propósitos iniciais e o controle passa a ser necessário sobre os mínimos atos e momentos do outro, de modo a conseguir a certeza do resultado: o outro não se afastará, não será perdido, não me abandonará, não me trocará por outra pessoa melhor que eu!!!

O ciumento vive inconsciente do fato de que ele mesmo afasta o outro, separa o outro, pois quase nunca foi, de fato, capaz de real proximidade e amor, descontando-se claro a fase inicial da conquista. A ressonância, se existiu na fase inicial do relacionamento, criava uma atmosfera emocional e sentimental que, como energia, construía alguma "confiança" e trazia alguma tranquilidade.
Devido aos primeiros conflitos de opiniões ou pontos de vista, devido às primeiras brigas e questionamentos, a pseudoconfiança é aos poucos substituída pela desconfiança que sempre existiu, mas estava dormente, residual, aguardando uma oportunidade de se oferecer.
Geralmente, existiu alguma situação específica que fez ou faz o sentimento da desconfiança acordar; contudo, nada obrigou ou obriga que ele persista e não desapareça nunca mais. Uma vez que algo acabe convencendo o ciumento de que ele está ameaçado de perder o companheiro, surge a necessidade do agir perante o persistente perigo, o que leva ao controle e às vezes à exigência da obrigatoriedade da presença do outro em todos os momentos e, quando isso não é possível, daí os mecanismos de controle da liberdade do outro tomam a forma de constantes telefonemas, investigações na bolsa ou carteira, leitura das mensagens armazenadas nos celulares, emails e assim por diante.
O ciumento imagina que o outro não sabe que tudo isso é jogo e que tudo isso não representa uma real preocupação amorosa com o companheiro de relação e, sim, um pesado fardo de desconfiança e controle, sempre cheio de ansiedade e vazio.

Naturalmente, o companheiro aceita o jogo, pois desequilibrar o ciumento é querer que o inferno se instale na relação. Qualquer pessoa inteligente, nesta hora, evitaria o inferno, mas é assim que o ciumento acaba instalando no companheiro um sensor de movimentos e de atividades pessoais: o ciumento consegue isso através de ameaças de que entrará em crise e que a relação se tornará infernal, ao que o companheiro reage reduzindo sua liberdade e tentando mostrar-se confiável, com evitações e cuidados dos mais variados tipos, tentando também controlar a crise infernal de ciúmes do outro e, então, finge pra si mesmo, que conseguiu alguma paz, como se o inferno já não estivesse acontecendo defronte seus olhos... podendo mostrar-se de novo a qualquer momento...

Enquanto se evita a crise de insegurança do ciumento, o problema permanece intocado; no entanto, infelizmente, de nada serve que o companheiro do ciumento faça todo tipo de esforço e pague com sua própria liberdade, pois o problema do ciumento (e sua desconfiança) permanece exatamente o mesmo, intocado, pronto para ser repetido, seus mecanismos de controle, suas cenas de emoções negativas e tudo o mais que constitui aqui o que chamo de inferno do pseudo-amor possessivo.
O companheiro do ciumento faria grande favor a ele se agisse de modo livre e não se preocupasse com o que o outro pensa, já que ele pensa sempre coisas negativas e não tem o menor respeito pela alteridade e sinceridade do outro. Não compactuar com o ciumento é, em verdade, a única chance de ajudá-lo.
Dar testemunho de si mesmo, fazer relatórios verificáveis sobre onde esteve e com quem esteve só deveria servir para a descoberta de que o ciumento vive muito sozinho, pois o testemunho do outro nunca tem valor, o outro não é ouvido e seus testemunhos são sempre recebidos como atitudes e expressões de alguém muito suspeito, não importando se o parceiro é ou não é merecedor disto. Um ciumento típico invalidade o testemunho do outro insistentemente.

Quando alguém aceita ser possuído por outra pessoa e abdica de seus direitos humanos e à liberdade de movimento, de ação e de expressão então, é claro, estará tudo em paz a partir deste ponto. Lamento dizer que a chance disso funcionar é de 0%.
Um ciumento típico precisa de ajuda especializada e alguém envolvido emocionalmente com ele, é muito provável, não servirá de ajuda ou mesmo pode dificultar ainda mais a situação, que já é bastante confusa, conforme me esforcei em descrever aqui.

 Luís Vasconcellos ::

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