quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ano novo vida nova?

 

Vivemos um momento histórico em que tudo parece desabar, o que pode nos levar ao chamado “delírio de ruína”, como chamam os psiquiatras. No entanto, 2013 foi um ano didático, e creio que as deficiências seculares de nossa formação estão vindo à tona. Assim, estamos evoluindo de costas, aprendendo com os horrores. Dos porões do atraso já surgem luzes, em nossa “jornada de imbecis até o entendimento”. Isso. O título de uma peça de Plínio Marcos serve bem para descrever o caminho que trilhamos em 2013. Temos razões até para um desconfiado otimismo. Qual será a lista de nossas esperanças?
Por exemplo, finalmente a família Sarney está servindo para alguma coisa: o horror do estado (que possuem há 50 anos) está vindo a furo, como um tumor. O povo do Maranhão está menos iludido em sua desgraça. A prisão dos mensaleiros já tinha alertado sobre o estado de nossas penitenciárias. O medo máximo dos “dirceus” era cair perto da “boca do boi”, nas celas que matam milhares de desespero e de faca, estilete, decapitação.
Em seguida, estourou Pedrinhas, abrindo finalmente as cortinas de gente intocável, aliados com sua “cordialidade” criminosa. Sarney sumiu e Dilma também, pois não pode perder o aliado para a reeleição. Mas já sabemos mais sobre isso. Didático: Sarney, pauta a Dilma. Será que ela vai ficar ofendida?
Aprendemos que detalhes explicam muito. Já sabemos que os cardápios de Roseana e Cid Gomes são parecidos. Cid gosta de escargot, caviar, salmão e outras iguarias, custando R$ 3 milhões para o Ceará; Roseana já prefere grandes quantidades: 850 quilos de filé-mignon, duas toneladas e meia de camarão, 200 quilos de salmão e 80 de lagostas. Dois menus que são uma aula de ciência política brasileira.
Já aprendemos que, além de “esquerda” e “direita”, temos de pensar na qualidade da vida e do interesse público. Como dizia Marco Aurélio (não o Garcia nem o de Mello, claro, mas o imperador): “O que é bom para a abelha tem de ser bom para a colmeia”.
Muitos já entendem que o Estado não é a “solução”, mas é o “problema”. Já sabem que um Estado gigante suga como um vampiro a sociedade e não devolve em serviços e reformas o que nós emprestamos a ele. Já sabemos que a sociedade acordou, apesar de amedrontada pelos fascistas dos black blocs, como vimos em junho de 2013.
Entrou em nosso entendimento (ao menos para os que sabem ler e não são o “estrume” das “oligarquias”) que a corrupção não é um pecado moral, mas uma forma de governo. Já aprendemos que não há um contrato sem aditamento superfaturado, já sabemos que ladrões e bolcheviques se unem por um mesmo fim: pilhar o Estado, em nome de uma ideologia oportunista.
Alguns (ou muitos?) intelectuais com má consciência já devem ter entendido que substituir o possível pelo imaginário, o presente por um “futuro”, o singular pelo geral destrói a administração da vida real. Somos um país sob anestesia mas sem cirurgia, como dizia Simonsen.
Hoje, temos de aceitar a impossibilidade de uma harmonia final. Não há solução — mas “processo”. Nunca teremos um país perfeito, resolvido, nunca chegaremos “lá”. Devemos abandonar uma política “central, geral, total”, como nos planos quinquenais da URSS ou nos “saltos para a frente” da China de Mao. Somente uma política econômica indutiva, imaginosa, descentrada e pragmática pode ir formando um tecido de parcialidades que acabe por mudar o conjunto.
Ao menos estamos mais no presente. A importância da internet, dos celulares, a interdependência com o vasto planeta nos livrou um pouco da alma de tupiniquim, de vira-latas paranoicos.
Já começamos também a entender a diferença entre causas e consequências. Miséria é consequência. A injustiça é endêmica e de tal modo paralisante que inviabilizou até agora uma real “luta de classes”. Os excluídos já nasceram derrotados “desde Cabral”.
Como dizem as avós: “há males que vêm para o bem” — a ditadura nos trouxe a “fome de democracia; a piração oligárquica e corrupta de Collor nos trouxe uma “fome de República”, de modernização do país. O julgamento do STF e a dificuldade de sua realização durante oito anos nos mostrou a evidência de que o Judiciário tem de ser reformado urgentemente.
A falência fiscal do Estado nos deu uma espécie de “orfandade” diante do gigante quebrado, mas criou mais autonomia nos empreendedores.
Deixou claro que o Estado tem de existir para a sociedade e não o contrário, como ainda é hoje.
Aprendemos que a tal “mão invisível do mercado” pode nos dar bananas, claro. No entanto, o conceito de “mercado” dinamiza a autorregulação da vida social e econômica do país, sim. Mercado é um termômetro, um sensor dos desejos sociais, mercado relativiza certezas burras e poderes autoritários. Talvez já tenhamos aprendido que a culpa de nosso atraso não é de imperialistas e canalhas de fora. Mudar o país tem de ser uma luta contra os canalhas de dentro. Não precisamos de invasores e inimigos, com esta multidão de saúvas que nos corrói.
Infelizmente, muita gente hoje ainda acredita que um governo de estatizações e tardio desenvolvimentismo, governo que ainda trabalha em cima de categorias velhas como “democracia burguesa”, “moralidade pequeno burguesa”, “patrimônio nacional” e o novo sujo “bolivarianismo”esteja no caminho certo. Não conseguem aceitar o óbvio: o Brasil estava preparado pelo Plano Real e o governo de FHC para decolar. Veio o Lula e jogou tudo para trás, aliado principal de Sarney e até do Severino, lembram? Ele levava macarrão como propina no restaurante do Congresso. A continuar assim (se a Dilma vencer), teremos uma brutal recessão em 2014/15, e o aparelhamento descarado do Estado talvez impeça um retorno à racionalidade perdida. Aí, 2014 será um “ano interessante”, como dizem os chineses: um ano de desgraças, erros crassos e teimosia burra.
E estará provada a maldição, a famosa praga chinesa: “Tomara que você viva em tempos interessantes”. Só nos resta desejar ano novo vida nova.
Mas, que vida?

Arnaldo Jabor

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