Muitos dizem que nosso país deveria adotar a pena de morte. Poucos se
recordam, entretanto, que tal penalidade já existiu por aqui.
Oficialmente, o último ser humano a padecer pela pena de morte em terra tupiniquim foi um homem chamado Francisco.
Francisco foi o tipo de homem sem rosto conhecido, sem sobrenome, sem
direitos, sem proteção ou recursos, enfim, sem eira nem beira. Negro,
era escravo de um capitão da guarda nacional (Sr. João Evangelista de
Lima) e da esposa do aludido capitão (Sra. Josepha Marta de Lima).
Lutando pela própria liberdade, Francisco teria planejado e executado o assassinato daqueles que o escravizaram.
Conforme previa a legislação da época, Francisco foi enforcado em praça pública.
Pergunto-me, às vezes: até que ponto Francisco poderia ser considerado vítima ou criminoso? Será que a liberdade de Francisco valia mais do que a vida de seus patrões escravocratas? E, finalmente, pergunto-me se vida em escravidão pode ser chamada de vida... Ora, a Lei daquela época autorizava os "patrões" dos escravos a açoitá-los até cinquenta vezes por dia.
Em meio a infindáveis indagações, não sei responder com precisão até
que ponto o enforcamento de Francisco foi justo ou injusto... Sei apenas
que era a própria Lei que amparava tanto o enforcamento quanto a
escravatura.
Francisco não foi o único enforcado do Brasil, mas apenas o derradeiro.
Não existe sistema judicial à prova de falhas, à prova de de erros.
Antes de Francisco, muitos outros foram sacrificados pelas mãos do
Estado, tendo cometido ou não determinados crimes.
Um cidadão
de bem, cujo nome era Mota Coqueiro, foi enforcado em 1855 por um crime
cometido por outra pessoa. Tiradentes, herói nacional, foi morto e
esquartejado pelas mãos do Estado.
Recentemente, antes da Constituição
de 1988, muita gente foi sumariamente julgada e executada – sem
qualquer direito ao contraditório, à ampla defesa e nem mesmo ao devido
processo legal - pelas mãos de agentes do Estado nos porões da Ditadura
Militar.
Hoje, graças à Constituição Federal de 1988, absolutamente ninguém pode ter sua vida tirada pelas mãos do Estado. É assim justamente porque os agentes da Lei também erram.
Aliás, como trabalhador da área jurídica, quantas e quantas vezes já
não deparei com decisões judiciais injustas, ou que ignoraram a Lei, os
fatos e provas de um processo? É claro que tenho feito minha parte,
combatendo o que me parece injusto ou ilegal, valendo-me do sistema
processual para isso. Mas não é fácil, e não funciona sempre.
Hoje, graças aos fundamentos expressos em nossa Constituição Federal, ninguém tem o direito de escravizar o outro.
É claro que entendo o sentimento popular quando um crime brutal é
exposto pela mídia, quando muitos, indignados, afirmam-se a favor da
pena de morte. O mesmo acontece quando uma pessoa é vítima de crime
perpetrado pelo outro... Os corações endurecem, em medida diretamente proporcional ao nível de constatação de impunidade em nosso país.
Ah, o combate à impunidade... Poucos perceberam que ele começa com
nossas ações cotidianas: não fure filas, pague seus impostos, não faça
fofocas, pratique o bem, pague suas contas, jogue lixo no lixo, respeite
as pessoas, não agrida fisicamente ninguém, não brigue, não xingue,
seja educado, não furte, não mate, não desvie dinheiro público, não
aceite nem ofereça propina, seja honesto, cumpra a Lei, não explore seu
semelhante, saiba votar, trabalhe e exija que os governantes,
legisladores, juízes e servidores públicos trabalhem em benefício da
população... Enfim, faça a diferença, não se acomode!
Enquanto
cada um de nós tiver telhado de vidro, falhando nas pequenas ações
cotidianas, a impunidade e a insegurança jurídica continuarão maculando a
paz que as pessoas de bem esperam encontrar na vida em sociedade.
É agindo que se muda o mundo, afinal, é pelas atitudes que fazemos
história. Assim, são nossas ações que definem como serão os últimos
suspiros dos Franciscos de hoje ou do futuro. Já dizia Machado de Assis:"A história é isto. Todos somos os fios do tecido que a mão do tecelão vai compondo, para servir aos olhos vindouros."
Advogado e Professor de Direito.
Pós-graduado em Direito Eletrônico, Licenciado em Educação na área jurídica.
Advogado Autônomo (Galerani - Advocacia, Marcas & Patentes).
Professor do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza.
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