Edie tinha 5 anos e 28 quilos quando seus
pais enfrentaram o dilema: como negar comida a um filho gordinho? Os
pais não estariam mais por perto quando Edie, aos 60 anos e 140 quilos,
abreviaria sua história numa gulosa apoteose diante da geladeira
escancarada. A advogada aposentada que, desde cedo, aprendeu a buscar
conforto emocional na comida é a personagem central do romance The Middlesteins,
da escritora Jami Attenberg, recém-lançado nos Estados Unidos e ainda
sem editora no Brasil. Os Middlesteins são uma família judia de classe
média que vive em Chicago, mas o desconforto é universal. “Muitas
pessoas que conheço, inclusive eu mesma, têm uma relação estranha com a
comida. Podemos comer demais ou muito pouco”, disse Jami a ÉPOCA. “O
pior é que somos obrigados a encarar isso diariamente, três vezes ao
dia. É uma questão que permeia toda a nossa vida.” Aos 43 anos, ela hoje
tem peso normal, mas foi gordinha até a adolescência.
Se o livro fosse ambientado no Brasil, a
história seria igualmente verossímil. Quase metade da população
brasileira (48%) pesa mais do que deveria. Entre os homens, os gordos
são maioria (52%). O histórico médico das crianças (33% têm sobrepeso e
14% são obesas) já é comparável ao dos avós: colesterol alto, diabetes,
desgaste nas articulações.
A obesidade – principalmente a infantil – tornou-se o maior desafio de
saúde pública do Brasil. O SUS gasta R$ 488 milhões por ano para tratar a
doença e 26 males decorrentes dela, como câncer, males cardiovasculares
e diabetes.
Em grande parte das famílias, as guloseimas e o fast-food, consumidos
esporadicamente no fim dos anos 1980, substituíram o almoço e o jantar.
Um registro detalhado da nova mesa brasileira aparece no documentário Muito além do peso,
da diretora Estela Renner. Nas pequenas e nas grandes cidades, crianças
de todas as classes sociais não sabem diferenciar um pimentão de um
rabanete. Ou um abacate de uma manga. Deter a epidemia é
responsabilidade de todos (escola, governos, indústria). E um fato não
pode ser desprezado: a obesidade é construída dentro de casa.
A maioria das pessoas engorda pela simples combinação de sedentarismo
e erros alimentares. Se o corpo recebe mais energia do que consegue
gastar, ela será estocada na forma de gordura. Graças a esse mecanismo, a
espécie humana conseguiu sobreviver no tempo em que habitava cavernas,
mal conseguia se proteger do frio e a comida era escassa. O que era uma
vantagem na dura Pré-História tornou-se um problema no conforto do
século XXI. Embora seja a mais frequente, essa não é a única causa de
obesidade.
Em menos de 10% dos casos, o ganho de peso pode ser creditado a
causas orgânicas, como distúrbios hormonais ou tumores. Sozinha, a
genética justifica cerca de outros 5%. Basta uma alteração num único
gene para que o excesso de peso ocorra desde os primeiros meses de vida,
geração após geração. Na parcela restante, 85%, a obesidade é explicada
por uma combinação de fatores: vários genes aumentam a predisposição ao
ganho de peso, mas isso só ocorre se o ambiente favorecer. É aqui que
entram as estranhas emoções, como na ficção de Jami Attenberg, e os
hábitos aprendidos em família.
Edição 780 (Foto: Christian Parente/ÉPOCA)
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